Resumo do Módulo 5

TEXTO-CHAVE: Gn 11:9

FOCO DO ESTUDO: Gn 9:18–11:9; Sl 139:7-12; Lc 10:1

ESBOÇO

Introdução: A primeira ordem divina para a humanidade após o dilúvio foi uma afirmação de vida: Ele lhes disse que se multiplicassem e enchessem a Terra (Gn 9:1). O foco desta lição será confrontar a tentativa humana de cumprir essa ordem. Até então, o relato bíblico dizia respeito a indivíduos (Adão e Eva, Caim e Abel, Sete e Noé). Nesta lição, as histórias dizem respeito a grupos de pessoas e têm um alcance universal. Os sobreviventes do dilúvio, os três filhos de Noé, iriam gerar três ramos da raça humana, que constituiriam as nações do mundo. Parecia que a humanidade estava no caminho certo para encher a Terra e levar a imagem de Deus aos confins do mundo. No entanto, a história da torre de Babel marca uma quebra dramática nesse ímpeto. A incumbência divina de universalidade foi substituída pelo ideal humano de concentração e unificação. Os humanos queriam ser um e, pior, queriam ser Deus.

Temas da lição:

  • Maldições e bênçãos. Canaã, filho de Cam, foi amaldiçoado, e Sem e Jafé foram abençoados. Qual é o significado e o sentido histórico dessas maldições e bênçãos? Como elas impactam a história da salvação?
  • Universalidade e unidade. As nações do mundo querem se engajar em um projeto comum: tornar-se um contra Deus. Como o propósito divino de universalidade e difusão foi interpretado como um ideal de unificação e concentração?
  • Usurpação de Deus. Os construtores da torre de Babel sonhavam em chegar ao céu. O que havia de errado com sua maneira de pensar? Por que Deus desceu para investigar seus esforços?

COMENTÁRIO

Maldições e bênçãos

A maldição sobre o filho de Cam (Gn 9:25) acabou sendo uma mensagem de esperança. Gênesis 9:25 tem com frequência sido desastrosamente mal aplicado aos negros e, portanto, usado como justificativa religiosa para a escravidão. No entanto, essa interpretação preconceituosa não se sustenta, por duas razões. Primeiro, a maldição não diz respeito a Cam, mas a seu filho Canaã. Tampouco essa maldição diz respeito a Cuxe, o filho primogênito de Cam, o que imediatamente exclui a referência a negros ou africanos emparticular. A propósito, as genealogias bíblicas (ver a lista das nações em Gênesis 10) são mais sobre etnogeografia, ou seja, a distribuição geográfica de grupos humanos, do que sobre etnicidade, que trata da origem das raças e línguas humanas. A própria noção de “raça” deriva das teorias racistas e linguísticas pseudocientíficas do século 19, com base na teoria da evolução, outro mal surgido dessa lenda moderna da criação. Assim, as designações bíblicas de grupos de pessoas como “jafetita”, “semita” ou “camita” não seguem critérios claros de raça, conforme definidos pela evolução, mas são muito mais complexas e confusas. Por exemplo: embora as línguas cananeias sejam semíticas, Canaã é contado entre os camitas. Embora Cuxe seja descendente de Cam, ele é o pai de Nimrode, o fundador de Babel. Elã, que pertence a um povo não semita, é filho de Sem.

A segunda razão pela qual Gênesis 9:25 não se aplica aos negros é que a referência a Canaã é uma alusão à herança da terra prometida, com tudo o que essa terra simboliza, a respeito da promessa de salvação para o mundo. Nesse contexto, o uso da frase “servo dos servos” é irônico. “Servo dos servos” é um superlativo, significando “o servo por excelência”, e sugere uma direção espiritual, apontando para Jesus, o Servo dos servos que vem para salvar o mundo (Jo 13:5).

As bênçãos de Gênesis 9 confirmam essa perspectiva. É interessante que Sem e Jafé não são louvados, mas apenas Deus (Gn 9:26). Além disso, a partir dessa perspectiva, a profecia nos leva além do futuro imediato da história de Israel no Pentateuco para a salvação da humanidade (Gn 9:27). O texto da profecia também se refere ao tabernáculo israelita (Js 18:1), uma alusão profética aos gentios que responderão à mensagem israelita de salvação e se juntarão à comunidade sagrada de Israel (Is 66:18-20; Rm 11:25). Mas o cumprimento dessa profecia depende primeiramente do cumprimento de outra profecia: a predição da submissão de Canaã. Esse evento é tão fundamental aos olhos do autor que ele o repete no fim da bênção, quando, pela terceira vez, se refere a Canaã como o servo de Sem (Gn 9:27; compare com 25, 26). A linguagem na seção de bênçãos é ao estilo de uma oração: “Bendito seja” (Gn 9:26, 27). Moisés, o autor do texto e contemporâneo dos israelitas escravizados no Egito, orou pela salvação de Israel, um primeiro passo básico e necessário para a salvação da humanidade.

Universalidade e particularidade

Essa conexão entre a perspectiva particular e a universal é um traço característico do pensamento bíblico. Ao contrário do pensamento grego, que promove a ideia de acesso imediato à verdade absoluta, os profetas hebreus falavam de um Deus que escolheu um povo, e posteriormente Seu Filho, por meio do qual Ele Se revelou à humanidade.

Uma ilustração da maneira bíblica de pensar está incorporada no número 70: há 70 nações listadas em Gênesis 10 que prefiguram os 70 membros da família de Jacó (Gn 46:27) e os 70 anciãos de Israel no deserto (Êx 24:9). Essa correspondência entre os “70” parece ser a base de Deuteronômio 32:8, que fala de Deus dividindo a humanidade “segundo o número dos filhos de Israel”. Assim como havia 70 nações, havia 70 línguas, de acordo com a tradição judaica. No NT, Jesus enviou 70 discípulos para evangelizar o mundo (Lc 10:1-16). A genealogia de Noé, o pai das nações da Terra (Gn 9:19; 10:32), incorpora o cumprimento da bênção e da promessa de Deus a ele: “Povoem a Terra, sejam fecundos e nela se multipliquem” (Gn 8:17; 9:1, 7). Essa bênção e promessa também estão ligadas à promessa inicial e à bênção dada a Adão na criação (Gn 1:28, 29).

O Deus das nações, o Criador do mundo e o Senhor de Israel é o mesmo Deus. Essa observação tem duas implicações teológicas importantes. Primeiro, significa que Deus afeta a história, mesmo além dos domínios da religião. Deus também está presente entre as nações. Em segundo lugar, significa que a salvação das nações também depende do testemunho de Israel. A bênção das nações se cumprirá somente por meio de Israel (Gn 12:3), pois o Deus de Israel é o verdadeiro Deus (Jo 4:22, 23). As lições da Bíblia hebraica, a história de Israel e os eventos que aconteceram com os judeus e que foram registrados no NT têm significado redentivo para as nações.

Uma tentativa de unificar e usurpar. É perturbador o fato de que a ideologia da unificação seja a primeira preocupação dos construtores da torre de Babel. A frase “em toda a terra havia apenas uma língua e uma só maneira de falar” (Gn 11:1) se refere ao fato de que essas pessoas usavam as mesmas palavras e mantinham o mesmo discurso. A história de Babel registra, no entanto, a primeira tentativa de unificar o mundo. Não é de admirar, então, que essa forma de pensar tenha produzido uma sociedade totalitária, que não deixava espaço para diferenças ou desacordos (compare Dn 3:1-7), e que o império tenha se engajado no projeto de tomar o lugar de Deus.

Na verdade, as duas determinações – uniformidade e usurpação – pertencem uma à outra. A história mostra que o impulso de obrigar outras pessoas a se comportar e pensar como nós leva inevitavelmente à intolerância e às perseguições. Em última análise, essa compulsão acende a ambição de tomar o lugar de Deus.É significativo que os construtores de Babel usam as palavras de Deus. A primeira palavra, uma interjeição, habah, “venham”, que duas vezes introduz o discurso dos construtores (Gn 11:3, 4), é idêntica às palavras que Deus usa (Gn 11:7). A expressão de colaboração coletiva, que é repetida quatro vezes em Gênesis 11:1-7 (“vamos […]”), lembra o plural divino da criação, “façamos” (Gn 1:26), e revela, então, a intenção dos construtores de usurpar o poder de Deus. Mesmo a palavra hebraica para “torre”, que descreve a cidade de Babel, é indicativa de sua aspiração. Essa palavra está relacionada com gadal, “grande”, sugerindo a ideia de ambição e glória, frequentemente associada ao próprio Deus (Êx 18:11). Curiosamente, a passagem de Daniel 8, que compartilha uma série de temas linguísticos e teológicos com esse texto, usa essa mesma palavra, gadal, como palavra-chave para descrever a tentativa do chifre pequeno de se exaltar até o próprio Deus (Dn 8:9-11, 25). De fato, o propósito da torre é alcançar o céu, uma especificação que sugere mais do que apenas sua proporção monumental. Os construtores de Babel eram movidos pela ambição espiritual de substituir Deus, o que claramente se revela em sua intenção de tornar célebre o próprio nome (Gn 11:4). Deus é o único que engrandece um nome (Gn 12:2) e o único que pode adquirir um nome para Si mesmo (Is 63:12, 14).

APLICAÇÃO PARA A VIDA

Maldições que se transformaram em bênçãos. Encontre na Bíblia casos em que algo originalmente planejado como maldição acabou se tornando uma bênção. Descubra em sua vida ocasiões em que uma experiência ruim (por exemplo, o confinamento pela Covid-19) lhe proporcionou oportunidades inesperadas de reflexão, comunhão e retorno a Deus. Por que o sofrimento muitas vezes traz consigo a descoberta de novos valores e nos aproxima de outras pessoas e de Deus?

Unificação e usurpação de Deus. Encontre na Bíblia, na história, em sua comunidade religiosa e em sua experiência pessoal casos em que um líder bem-intencionado, ou talvez você mesmo, tenha se comportado como os construtores da torre de Babel. Por que grandes ideais de santidade, unificação e verdade frequentemente levam à intolerância e ao orgulho? Como o modelo de Jesus inspira maneiras de evitar esse erro? Por que estar certo não é suficiente e pode, de fato, produzir ódio e orgulho hipócritas?