Comentário do Módulo 5
Tema Geral: Gênesis
Todas as Nações e Babel
Autor: Wilian S. Cardoso
O Dilúvio terminou. Deus fez uma aliança com Noé e sua família. Repetindo a Noé a mesma instrução que havia comunicado a Adão (1:22), a saber, que seus filhos se espalhassem e enchessem a Terra (9:1). O ideal do Éden era que a família humana se espalhasse, se multiplicasse, subjugasse a Terra e a governasse, mas dentro de uma unidade, na medida em que todos fossem à imagem de Deus coletivamente. E, após o Dilúvio, esse ideal ainda permanece. Isso até chegarmos à torre de Babel, cujo ideal é a tentativa de unificar a humanidade em torno de um sonho imperial de elevar o nome de uma cidade aos céus, o qual se torna um princípio unificador muito perigoso. Quando a humanidade busca unidade separada de Deus, o resultado é violência e homogeneidade, que a Bíblia metaforiza pelos princípios encontrados na “Babilônia”.
Gênesis 1 e 2 descrevem a identidade da humanidade como uma família unificada que representa a imagem de Deus (1:27), sem descartar a singularidade pessoal. Mas quando os humanos criam suas próprias definições de bem e mal, as diferenças pessoais se tornam uma fonte de conflitos dentro dos relacionamentos humanos (6:5). Gênesis 3 dá início a uma reação em cadeia de desordem familiar e dos relacionamentos interpessoais. Deus disse à humanidade para “encher a Terra” (Gênesis 1:28); mas, em vez disso, eles encheram “a Terra de violência” (6:11). Isso leva ao entristecimento de Deus e à Sua decisão de purificar a criação com um grande Dilúvio. Mas Deus escolhe uma família por meio da qual Ele restaurará Seu propósito de abençoar as nações e cumprir Sua promessa: a família de Noé.
No entanto, infelizmente, Noé repete a mesma história de Adão. Ele come do fruto de seu próprio jardim, fica bêbado e acaba nu. E o drama resultante divide a família. No fim, assim como foi com Adão, os filhos de Noé também são divididos em dois grupos: Sem com a bênção e Cam com a maldição.
A genealogia de Gênesis 10, nesse ponto, se torna uma das mais importantes da Bíblia, pois apresenta os ancestrais dos personagens-chave de todas as histórias bíblicas, os quais representaram os princípios antagônicos de bênção e maldição. E é a partir daqui que podemos ver a bênção e a maldição acontecendo.
A lista de descendentes soma precisamente 70 pessoas: 14 de Jafé, 30 de Cam e 26 de Sem. O número setenta, mesmo que não seja dado explicitamente, não é mera coincidência. Setenta é um recurso literário que transmite a ideia de totalidade da raça humana (cf. Gn 46:27; Êx 24:9; Nm 11:24). Esse recurso lança luz sobre a função principal de Gênesis 10, que segundo Nahum M. Sarna é a de afirmar “a origem comum e a unidade absoluta da humanidade. (1)
Assim, Gênesis 10, ao enfatizar essa “origem comum” da humanidade, esclarece que todos os humanos compartilham a mesma imagem de Deus e devem fazer parte da família de Deus. Por outro lado, quase cada nação ímpia que vemos descritas por todas as páginas das Escrituras, descendem da genealogia de Cam: Egito (Mizraim), Canaã, Filisteus, Nínive, Babilônia, Assíria (Acade), etc. Em contraste com essas nações, da linhagem de Sem surge aquele que será o pai da bênção de Deus a todas as nações – Abraão (Gn 11:26).
Do mesmo modo que Caim foi aconselhado a vaguear, mas contrariando a palavra divina decidiu se estabelecer e construir uma cidade, à medida que a humanidade começa a aumentar, alguns dos filhos de Cam, mais especificamente um homem chamado Ninrode, se fixou na região de Sinar, que é conhecida como a terra da Babilônia. Logo, mesmo após o Dilúvio, a condição de pecado da humanidade permaneceu inalterada. Em outras palavras, o Dilúvio não foi a cura para o pecado – o Dilúvio não foi o que esmagou a cabeça da serpente. A existência do Descendente Libertador ainda se torna necessária e é aí que, na próxima história, somos apresentados a um homem chamado Abrão, aquele por meio de quem o esmagador de cobras viria.
O capítulo 11 e a história da torre é, na verdade, um tipo de flashback que retoma a seção apresentada em Gênesis 10:8-12, a fim de pormenorizar o que essas construções de Ninrode provocaram. E a Babilônia é apresentada como um tipo de humanidade alternativa, uma ideia de Éden reverso. É a tentativa da humanidade de divinizar sua própria herança cultural e homogeneizar a humanidade, tornando tudo “um”. Mas Deus não almeja a unidade de seus filhos? É claro que sim, porém não dessa forma. Assim como no Jardim do Éden, quando Adão e Eva escolheram suas próprias definições de bem e mal, em Gênesis 11, a humanidade escolhe como deve ser essa unidade. Não com base nos parâmetros divinos, mas nos seus próprios. A Babilônia é uma tentativa humana de unificar em torno do nome errado. É o que eu quero versus o que Deus fala.
Ali, eles visavam construir uma cidade centrada no poder humano a fim de fazer um nome para si mesmos em lugar de criar um nome para Deus. Na parte central dessa cidade eles erigiriam uma torre monumental que chegasse até o céu, deixando claro que o acesso aos céus seria por sua própria força sem necessidade do auxílio de Deus. Na verdade, se de alguma forma eles precisassem de Deus, o encontro deveria ocorrer na torre deles, na cidade deles, no templo deles, que Deus teria que acessar a fim de estar junto deles.
Deus percebeu que, enquanto eles fossem UM povo com UMA mesma linguagem, tudo seria possível para eles. Isso significa que o engano do pecado de Eva no Jardim finalmente estaria completo. A humanidade teria se enganado completamente ao pensar que ela realmente não precisa de Deus – o que apenas conduz à morte.
Então, Deus desce até as pessoas, sem a ajuda de sua torre incompleta, e confunde a língua deles, espalhando-os em diferentes regiões e povos. Ou seja, Deus provoca precisamente aquilo que eles evitavam: a separação. Deus vê que a humanidade se tornou poderosa demais para seu próprio bem, e a salva de si mesma.
Gênesis 11, então, é um ponto de virada na história da Bíblia. Até agora, o foco das Escrituras tem estado em todas as nações. Mas, com a dispersão das nações pelo mundo, Deus se volta agora para um homem e uma família, da qual suscitará a nação que unificará todas as outras pelos ideais divinos.
Desde o início de Gênesis somos lembrados, portanto, de que apesar das falhas humanas e das tentativas de sabotagem ao plano divino de restauração da criação, Ele está no controle de tudo e não deixou a humanidade à mercê de seu próprio destino. As ações divinas são duras, mas devem ser entendidas como atos salvíficos e de amor, que visam resgatar o homem das suas próprias mãos, as quais, sem Deus, o conduziriam à autoextinção.
Toda a desunião e dispersão dessa história são revertidas no Novo Testamento. Especialmente em Atos 2, no dia do Pentecostes, o Espírito Santo desce e unifica as línguas, de modo que pessoas de regiões e nações diferentes ouviram o evangelho na sua própria língua. E a mensagem que eles ouviram não era sobre a humanidade tentando engrandecer o seu nome, mas era sobre um único nome – o nome de Jesus – o filho de Abraão (Mt 1:1), Descendente daquela nação, daquela família escolhida por Deus para fazer Seu nome. Não era uma mensagem sobre como a humanidade deve construir seu caminho até Deus, mas como Deus veio até a humanidade como uma Pessoa. Assim, quando eles são preenchidos pelo Espírito de Deus, não há necessidade de construir templos independentes até os céus, porque Deus está construindo Seu templo coletivo por toda Terra por meio das pessoas que Ele está salvando. E agora, nada será impossível para os seguidores de Jesus.
Tudo que foi verdadeiramente destrutivo quanto ao experimento com a torre, se torna verdadeiramente construtivo na igreja de Jesus. Juntos podemos fazer todas as coisas através Dele, e os portões do inferno não prevalecerão contra nós. Não há condenação para aqueles que estão com Jesus. Tudo aquilo que aconteceu lá na torre de Babel e ainda ressoa hoje nas nossas atitudes babilônicas foi revertido pelo evangelho eterno colocado no coração do povo pelo Espírito da Verdade.
Referências: SARNA, Nahum M. Genesis (The JPS Torah Commentary). Filadélfia, PA: JPS, 1989, p. 69.
