Resumo do Módulo 10

Tema Geral: Gênesis

Jacó-Israel

Autor: Wilian S. Cardoso

Após o acordo realizado entre Jacó e Labão, o ciclo Jacó-Labão se fecha para a abertura de uma nova fase. Curiosamente, a conexão dos hebreus com a Mesopotâmia também é encerrada. Na verdade, o retorno seguinte para lá, infelizmente foi, outra vez, por motivo de exílio, embora, não de uma pessoa apenas, mas de toda a nação.

O retorno de Jacó, agora acompanhado de uma grande família, é marcado por um encontro significativo. Da mesma forma que em sua saída da terra da promessa, sua entrada nela é destacada pelo aparecimento de seres celestiais.

A nova era da vida de Jacó, que teve início a partir do episódio descrito nos capítulos 32 e 33, pode ser vista, de forma simples, como um tipo de sanduíche literário, ou seja, duas seções periféricas com um tema em comum que encapsulam uma seção central.

A vida de Jacó, de fato não foi fácil. Com traumas, ansiedades e incertezas, ele fugiu de Canaã e, com os mesmos sentimentos, fugiu de Harã. Após amenizar seu sofrimento emocional com a realização de um pacto de paz entre ele e seu sogro Labão, novas ondas de ansiedade e frustração surgiram à medida que ele se aproximava de sua antiga casa. E não foi apenas uma onda, mas um “tsunami” de sentimentos negativos que abalaram seu coração. A experiência de ter sido enganado muitas vezes por seu tio-sogro, fez com que ele sentisse na própria pele o que Esaú tinha vivenciado. Empaticamente, agora, ele sentiu remorso do grande evento do passado que tinha gerado tudo isso. Ainda que Deus houvesse transformado o mal em bem, ao abençoar Jacó na formação de uma grande família e na conquista da prosperidade, o passado o assombrava. Se Esaú quisesse vingança, a conservação de todas essas bênçãos estaria em risco.

Ao orar por libertação, Jacó repetiu as mesmas palavras ditas a ele por Deus no primeiro encontro (Gn 32:9, 12; 28:13:15). Ou seja, ele estava reivindicando o cumprimento do que lhe havia sido prometido. O texto parece apresentar um Jacó que ainda não estava pronto para receber a promessa da terra, uma vez que ele não havia se tornado a bênção; antes estava à procura dela. Mas, precisamente agora tudo iria mudar em um encontro que abriria seus olhos e o colocaria na linha da fé abraâmica.

Na jornada de Jacó, ele foi criando inimigos por onde passou: primeiro Esaú, depois Labão e novamente Esaú (sem mencionar, posteriormente, seus próprios filhos e os siquemitas). Mas antes do encontro com Esaú, um novo Oponente surgiu no caminho. Entretanto, o desconhecido Homem (Ish) revelou ser o próprio Deus (Peniel = “face de Deus”). Em Harã, Jacó aprendeu que sua vida dependia da provisão de Deus e não de si mesmo (Gn 31:9, 11, 42). E esse crescimento foi um vislumbre do que estava para acontecer em seguida. A transformação de caráter representada pela mudança de nome foi a peça que faltava na vida de Jacó como escolhido de Deus.

Existe um tipo de aliteração entre o nome Yaakov e o verbo lutar (avak) no verso 25: vateka kaf-yerekh Yaakov beheavko imo (“a junta da coxa de Jacó se deslocou, na luta com o Homem”). Em outras palavras, o verso aponta para a personalidade lutadora do homem Jacó. Embora pacato em suas atividades regulares, ele lutava agressivamente por seus ideais. Essa personalidade, porém, não lhe provia a paz que ele tanto almejava. A explicação do Homem divino para seu novo nome, Israel, em contraste, é suportada pelo uso de outro verbo para “lutar”. O verbo sarah só ocorre três vezes em toda Bíblia e sempre está relacionado à luta de Jacó. Assim, a ocorrência principal, no verso 28, parece servir como uma explicação etimológica do nome Israel. Nesse caso, a conotação de sarah representa a ideia de “lutar para se tornar um rei/governante”. Ou seja, o que o texto parece sugerir é que Jacó simplesmente lutava, pensando que esse esforço lhe concederia a posição privilegiada do escolhido de Deus, mas o Senhor lhe mostrou que somente Ele podia lutar para torná-lo um príncipe de Seu reino. O nome Israel deve ser entendido literalmente como “El (Deus) lutará”.

A luta de Jacó, pela primeira vez, não foi apenas física, mas também espiritual. E a declaração de que ele havia prevalecido (v. 28), não quer dizer que tivesse derrotado Deus, mas que ele “finalmente satisfez a exigência que Deus fez na aliança: submissão dócil”. (1)

Assim, enquanto seu encontro com Deus em Betel (Gn 28:10-22) foi para declarar a ele as promessas divinas, o encontro em Peniel (32:2, 30) foi para o cumprimento delas. (2) Deus é fiel a nós enquanto formos submissos à Sua vontade sobre nossa vida.

Até aqui Jacó e todos nós pensávamos que a profecia divina (Gn 25:23), de que ele seria mais forte do que o irmão mais velho, seria por uma vitória física: eles lutaram no ventre, Jacó puxou o calcanhar, barganhou a primogenitura, roubou a bênção e Esaú o esperou com 400 homens; mas, no fim, descobrimos que a grande luta era daquele que se tornaria capaz de dominar o coração para que Deus pudesse agir.

No entanto, a vida após esse grande encontro não foi das melhores. Porém, agora ele conseguiu lidar com os problemas, porque sabia que existia Alguém que lutava por ele. O sonho de estar em um lugar melhor e de ter uma vida de paz é de todos nós, mas a promessa é Dele e somente Dele.

Jacó conseguiu sobreviver a Esaú, bem como a todas as dificuldades posteriores (as lutas com seus filhos, o conflito com os siquemitas, a morte de Raquel, a falsa morte de José, etc.), porque antes de lutar contra tudo isso, ele havia lutado primeiramente com Deus e saiu vencedor. Essa é uma das maiores lições para nós. Somente quando entendermos que é Deus que luta por nós, Ele cumprirá Seu plano em nossa vida, se assim o permitirmos. Deus pode despertar a fé em nós, mas não pode impor que a mantenhamos. Trata-se de uma escolha individual, acreditar que tudo pode mudar e, na verdade, Ele quer a mudança para todos os Seus filhos. Jacó escolheu acreditar, Esaú rejeitou, e cada um de nós representa um dos dois irmãos.

A exemplo disso, Jacó e sua família mal se haviam instalado em Canaã, na região de Siquém, e logo foram assolados pela depravação de seus habitantes no episódio em que sua filha foi abusada. Apesar de uma tentativa de reparo, tal característica despertou o pior nos filhos de Jacó, provocando sua partida para outro local. Porém, antes que chegassem no novo acampamento, Betel, Jacó se lembrou do que havia prometido a Deus na última vez em que estivera naquele mesmo solo, a saber, que se Deus o ajudasse a retornar em paz, Ele seria o seu Deus (Gn 28:21). Por isso, ele realizou ali uma reforma religiosa para que abandonassem qualquer coisa que lembrasse os deuses estranhos, diferentes do único Deus de Jacó. Essa é a primeira ocorrência bíblica de uma reforma religiosa e o prelúdio para a tensão que começaria a se destacar entre os cananeus e os israelitas, entre os deuses falsos de Canaã e o Deus de Israel.

Outro episódio que revelou a forma como Jacó lidava com os problemas agora, foi a morte de sua esposa amada. Raquel adoeceu por complicações no parto do seu segundo filho. Ciente de que não iria sobreviver, ela nomeou seu filho Benoni (lit. “filho de minha aflição”). Jacó, por outro lado, não olhou para o lado negativo, mas como seu avô Abraão, que confiou no poder divino para restaurar a vida de Isaque, caso fosse sacrificado (Gn 22:5), ele renomeou o filho de Benjamim – “filho da mão direita” ou “filho do sul”, em uma demonstração de confiança Naquele que o sustentava. Isso porque a mão direita era vista como sinônimo de força ou, se em referência ao sul, conforme interpretado pelo comentarista judeu Rashi, o nome tem a ver com o local em que ele estava e onde havia acabado de receber a confirmação das bênçãos divinas.

Enfim, de tudo que podemos guardar das histórias de Jacó, foi o seu processo de transformação espiritual que o capacitou para continuar o legado de Abraão. E esses passos foram:

  1. Arrependimento genuíno (Gn 32:3-8; 13-21)
  2. Súplica/oração (Gn 32:9-12)
  3. Resposta divina [perdão] (Gn 32:27-28)
  4. Renovação de caráter (Gn 33:1-3)

Jacó passou pelas mesmas etapas que qualquer um de nós também deve passar. Ainda que, semelhantes a Jacó, venhamos a interferir nos planos divinos, interpolando nossas próprias ações às Dele, Deus é capaz de ajustar nossos erros sobre Seu plano, que é infinitamente maior do que qualquer coisa que venhamos a fazer. Se o nosso coração for humilde e sincero para permitir reconhecer que Ele está, e deve estar, no controle sempre, Ele lutará por mim e por você; e os nossos erros e problemas serão os elementos que Ele usará para fazer de você uma pessoa melhor – mais um guerreiro no Seu grande exército da salvação.

Referências:

(1) PAINE, J. Barton. “?”. In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr; Bruce K. Waltke (eds). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1490. (2) MATHEWS, Kenneth A. Genesis 11:27–50:26. The New American Commentary. Nashville, TN: Broadman and Holman Publishers, 1996, p. 537.