Comentário do Módulo 1
Autor: Wilian S. Cardoso
O livro de Gênesis narra a criação do mundo – o Universo, a Terra, a humanidade e todas as outras formas de vida. Como o livro dos primórdios, ele revela o plano eterno dentro do coração de Deus de ter um povo próprio, separado para adorá-Lo. Gênesis é o livro de abertura da Bíblia e o primeiro dos cinco livros do Pentateuco. Na Bíblia Hebraica, Gênesis pertence à Torá, um termo hebraico que significa “lei”, ou, literalmente, “ensinamento”. Gênesis é chamado de livro dos começos ou livro das origens, pois a palavra grega génesis significa “origem” ou “nascimento”. Os antigos hebreus, no entanto, nomeavam seus documentos a partir da(s) palavra(s) mais significativa(s) na abertura do texto, por isso Gênesis é chamado de b’reshit, cuja tradução é “no princípio”, que é a expressão de abertura desse livro.
Ambos os títulos são bastante propícios, pois é o tema da criação que, de fato, prepara o cenário para o restante das Escrituras. Na verdade, a criação é o tópico pelo qual a Bíblia inicia e termina ao falar sobre a revelação de Deus. Sem o fundamento descritos nesse livro, o restante da Bíblia não teria sentido. Portanto, o tema principal em Gênesis é, obviamente, o começo – a criação. A obra relata as origens dos Céus e da Terra, de todas as coisas criadas, da família humana, do relacionamento de aliança de Deus com os humanos, do pecado, da redenção, das nações, das línguas e do povo escolhido de Deus. Em especial, Gênesis nos ensina sobre o problema do pecado e o plano da salvação de Deus. Revela o caráter de Deus e Sua busca incansável para restaurar a comunhão interrompida entre os seres humanos e Ele mesmo. As histórias em Gênesis revelam: a natureza de Deus como Criador, mas também como Redentor; o valor da vida do ser humano (criado à imagem de Deus); as terríveis consequências da desobediência e do pecado (separando o homem de Deus); e a maravilhosa promessa da salvação e do perdão através do Messias vindouro.
O tema da criação é tão significativo que está revelado não somente nas histórias de Gênesis como também na própria estrutura literária do livro. Gênesis é estruturado por 10 usos da palavra hebraica toldot, uma expressão que pode ter diferentes significados dependendo do contexto, mas que essencialmente se refere aos eventos que aconteceram a partir do advento do céu e da Terra – ou seja, toda a história humana, daí ela é traduzida como “gerações” ou “histórias”. E precisamente esse termo foi usado para abrir as várias seções dentro de todo o livro. Então, quando Gênesis 2:4 declara: “esta é a gênese [toldot] dos céus e da Terra”, e daí passa a contar a criação de Adão e Eva, devemos entender que o primeiro casal humano é uma geração fruto da história do céu e da Terra. Do mesmo modo, as toldot de Terá contêm as histórias de Abraão (11:27–25:11), e as toldot de Isaque é a longa história de Jacó (25:18–35:29). Nessa perspectiva, a história de vida de alguém é vista como algo “gerado” por um pai. Terá, por exemplo, não foi apenas pai de um filho chamado Abrão, mas gerou uma história que é representada na vida dele – um peregrino de fé, que deixou Ur e Harã, foi para o Egito, libertou Ló, gerou Ismael, intercedeu por Sodoma, etc. Ou seja, Terá “gerou” Abraão com sua história de vida. Da mesma forma, Deus gera os céus e a Terra para serem criadores de vida, os quais, por sua vez “geram” os seres humanos que interrompem essa história de vida pela inserção de um elemento novo – a morte, que surge pela geração do pecado. E, como consequência disso, uma nova geração de restauração é formada.
É interessante perceber o padrão bem estruturado de composição do livro que segue uma sequência entre narrativa e genealogia. Isso porque algumas dessas toldot são genealogias, enquanto outras introduzem longas seções narrativas (histórias). É curioso observar também que nas primeiras cinco gerações, o padrão genealogia e narrativa estão combinados, ou seja, a genealogia provê os atores da história que é narrada a seguir; porém, a partir de Terá essa inter-relação desaparece, pois enquanto Isaque e Jacó geram histórias sem genealogias explícitas, Ismael e Esaú, gerações de Abraão e Isaque, geram somente genealogias, sem histórias.
| Introdução | 1:1 – 2:3 | narrativa |
| Toldot dos céus e da terra | 2:3 – 4:26 | narrativa |
| Toldot de Adão e Eva | 5:1 – 6:8 | genealogia |
| Toldot de Noé | 6:9 – 9:29 | narrativa |
| Toldot dos filhos de Noé | 10:1-31 | genealogia |
| Toldot de Sem | 11:10 – 11:26 | genealogia |
| Toldot de Terá | 11:27 – 25:11 | narrativa |
| Toldot de Ismael | 25:12-18 | genealogia |
| Toldot de Isaque | 25:19 – 35:29 | narrativa |
| Toldot de Esaú | 36:1 – 37:1 | genealogia |
| Toldot de Jacó | 37:2 – 50:26 | narrativa |
Além disso, as narrativas se mantêm em um ciclo de personagem-queda-redenção, exceto, obviamente, a primeira, por ser a história-mor da criação, anterior a qualquer falha. Porém, assim como a história da criação termina com descanso, representado pelo sábado, os relatos pós-queda seguem o mesmo ciclo findando com uma perspectiva redentiva. De Adão surge Noé, o redentor do dilúvio; no fim do dilúvio, a aliança de Deus; a torre de Babel termina com Abraão, o fiel de Deus, e assim por diante. Em outras palavras, o sábado como final da primeira narrativa, o relato da criação em si, é um símbolo e vislumbre do que é a realidade criada por Deus. E essa realidade deve não apenas ser gerada na história de vida de Seus filhos como deve ser o objetivo dela. Não é por acaso que cada genealogia com narrativa traça um crescendo no propósito da história: Noé é um novo Adão; Abraão, um novo Noé; Jacó, um Abraão, etc. E cada uma das seções narrativas remonta à narrativa original do céu e da Terra. São novos Adãos e Evas, iniciando o projeto de desfazer a maldição e trazer de volta a história original da Terra. Porém, o retorno dessa história depende do povo de Deus. Ou seja, todo o mundo gera algo, mas é o povo de Deus que gera a história que pode recriar a realidade da primeira história. Porque história é aquilo que Deus gera e a criação é o princípio de toda a história.
Essa observação por si só nos ajuda a entender muito sobre o livro. Na criação dos céus e da Terra (Gn 1) e na criação dos seres humanos (Gn 2), Gênesis usa dois nomes distintos para se referir a Deus a fim de descrever Suas diferentes características. A razão para as diferenças de nomes tem a ver com a ênfase que o autor está dando. Elohim (Gn 1) é o nome geral para “Deus” e é usado no contexto de Deus como Criador. Enfatiza que Deus é distante e poderoso, e é usado para descrever Deus como Criador impressionante e majestoso. YHWH (“SENHOR”) é o nome pessoal de Deus e é usado no contexto de Deus em relacionamento com Seu povo, quando o Senhor está pessoalmente envolvido com a humanidade. Assim, embora Gênesis 1 apresente os céus e a Terra como geradores dos seres humanos, é Elohim o princípio de tudo. Ele não tem geração nem história, pois é o Gerador delas por meio daquilo que Ele cria. Os céus-Terra só têm existência por Sua vontade, e a partir deles Ele gerou a humanidade de forma pessoal e íntima, pois mesmo gerados da Terra, os seres humanos têm um Pai real, cuja história deveria ser representada pela existência de Seus filhos.
Enfim, entre muitas lições de Gênesis, ele nos lembra que somos histórias vivas de Deus. E que esse mundo é criação Dele, que, embora contaminado pelo pecado, somos gerados para, em nossa vida, restaurar a história original dos céus e da Terra, para finalmente descansar na geração original de Deus, o princípio da criação… a história final.
